Espuma dos dias — Von der Leyen contra as cordas após o seu deslize com Israel, por María G. Zornoza

Seleção e tradução de Francisco Tavares

5 min de leitura

Von der Leyen contra as cordas após o seu deslize com Israel

A gestão “errárica” do seu cerrar de fileiras com Telavive coloca a presidente da Comissão Europeia na pior crise do seu mandato. Os 27 reúnem-se terça-feira de emergência para emendar a imagem e a posição da UE.

 

 Por María G. Zornoza

Publicado por .es em 16 de Outubro de 2023 (original aqui)

 

Ursula von der Leyen com Benjamin Netanyahu na sua visita a Tel Aviv, em 13 de outubro de 2023. – EUROPA PRESS

 

Se durante a guerra na Ucrânia a defesa da ordem mundial e do respeito pelo Direito Internacional foi a bandeira da União Europeia no seu apoio a Kiev, durante a guerra do Médio Oriente tornou-se no seu cavalo de Tróia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, só se referiu ao Direito Internacional no sétimo dia de disputa e empurrada pelas monumentais críticas veiculadas por vários eurodeputados e Estados Membros. A guerra na Terra Santa coloca a alemã na sua pior crise política e reputacional desde que assumiu o cargo em 2019.

Nos últimos dias, a inquilina do Berlaymont cerrou fileiras com Israel tanto a nível de declarações políticas, nas quais “se esquecia” dos civis palestinianos, como na sua reiteração de que o Estado hebreu tem o direito de se defender.

O ponto culminante foi a visita juntamente com a presidente do Parlamento europeu, Roberta Metsola, a Telavive, onde se encontrou com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Muitos em Bruxelas e nas capitais sentem que se excedeu nas suas funções transmitindo uma mensagem que não correspondia à posição dos 27 Estados-Membros: direito a defender-se sim, mas de acordo com o direito humanitário.

Até Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, teve de vir à liça, lembrando-lhe que a política externa é da competência dos Estados-Membros, que são os que fixam as posições e determinam as reacções no quadro global no âmbito do Conselho dos Negócios Estrangeiros.

“Não me lembro de ninguém ter criticado Von der Leyen por ter ido à Ucrânia após o massacre de Bucha em março do ano passado. A presidente pode viajar para onde quiser. Ela foi a Israel para expressar solidariedade com um país que sofreu um ataque terrorista. Ela fez isso e continuará a fazê-lo. Expressar esta solidariedade está totalmente dentro de suas prerrogativas”, justificou Eric Mamer, porta-voz de Von der Leyen, após a cascata de críticas.

A cacofonia desencadeada no seio europeu durante os últimos dias obrigou os chefes de estado e de Governo a reagir para emendar a já danificada imagem da Europa, que foi vista em muitos pontos do mundo como um exemplo de hipocrisia com respeito às leis de guerra à la carte dependendo se o responsável é a Rússia ou Israel. A alemã foi ainda mais longe do que os Estados Unidos, principal aliado e defensor de Telavive. O próprio presidente americano, Joe Biden, pediu contenção e fez apelos para que Israel evite uma entrada em Gaza a sangue e fogo. E até a NATO fez um apelo à “proporcionalidade”.

No domingo, os 27 acordaram um comunicado conjunto para deixar clara a posição da União Europeia: condenação firme dos ataques do grupo terrorista Hamas, apoio ao direito a Israel de se defender no respeito pelo Direito Internacional, compromisso para continuar a ajuda humanitária à população palestina e apoio à solução dos dois Estados como única via possível para garantir uma paz sustentável e duradoura no longo prazo.

Com este clima de mal-estar de fundo pela gestão a motu proprio da ex-ministra de Angela Merkel, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, convocou uma cimeira extraordinária de emergência na terça-feira com os 27 líderes de Estado e de governo. Por questões de agenda e logística será realizada de forma virtual. O objetivo é fechar a resposta europeia, bem como analisar as consequências migratórias e de segurança que a atual crise no barril de pólvora do Médio Oriente pode provocar no Velho Continente.

Os Estados-Membros fixaram a posição inicial. Mas eles agora enfrentam a próxima fase em que os claro-escuros evidenciam as muitas diferenças entre eles. Há quem defenda o corte da ajuda humanitária, como a Hungria. Outros procuram fixar uma linguagem mais dura sobre os limites ao direito do Estado judeu de se defender, como a Irlanda. Há aqueles que não distinguem entre Hamas e palestinianos, embora seja a minoria. Outros, como França e Alemanha, proibiram manifestações pró-palestinianas. Todos estes elementos divergentes falarão na videoconferência. Uma das chaves será ver se a UE apela ou não a um cessar-fogo, algo que tem evitado até à data [N.T. os 27 ministros dos negócios estrangeiros não foram capazes de chegar a um acordo mínimo que exija a Israel declarar uma trégua humanitária, ver aqui].

Fontes europeias reconhecem que a celebração deste encontro é provocada pelas ações de Von der Leyen. Em muitas capitais e no edifício do Conselho Europeu de Michel, com o qual tem uma conhecida má relação, há muito mal-estar com o extravasar de competências da presidente da Comissão Europeia.

Após uma aterragem tímida e inesperada, Von der Leyen sacou peito e unhas à frente de sua “comissão geopolítica” com a pandemia do coronavírus e a guerra na Ucrânia. No entanto, numa semana ela queimou muito desse capital político e de credibilidade. A grande incógnita é o que terá motivado esse encadeamento de erros. Excesso de confiança, a sua sensibilidade nacional como alemã ou a preparação do seu futuro, seja como candidata à reeleição ou como movimento para Secretária-Geral da NATO.

 

Escrutínio no Parlamento europeu

Von der Leyen enfrenta alguns dias difíceis. A reunião de terça-feira é apenas a antecâmara do debate acalorado que está previsto para quarta-feira no plenário de Estrasburgo. A democrata-cristã alemã enfrentará, com certeza, muitas críticas por parte dos eurodeputados. Muitos dos quais já registaram o seu desconforto.

“É correto expressar solidariedade com Israel depois do ataque terrorista. Mas estar lá e não fazer nem uma menção ao bombardeamento indiscriminado sobre alvos civis, ou ao ultimato-ameaça sobre mais de 1 milhão de pessoas em Gaza, é imperdoável. Não em meu nome”, cortou através do X o eurodeputado social-democrata Ibán Garcia.

“Senhora Von der Leyen: Sim, somos amigos de Israel e apoiamos o povo israelita na sua terrível experiência. Ele tem o direito de se defender de terroristas sanguinários. Mas você esquece uma mensagem importante: o direito internacional humanitário deve ser respeitado. Não entendo o que a presidente da Comissão tem a ver com a política externa pela qual não é responsável”, concorda a francesa Nathalie Loiseau, presidente da Comissão de Defesa da Câmara.

No meio de todo o barulho político é a população civil que está a sofrer as consequências da que pode ser a pior guerra desde 1948, data da criação do Estado hebreu, e Nakba (desastre) para os palestinianos. Israel informou hoje que haveria 190 reféns nas mãos do Hamas. Enquanto a organização Euro-Med Human Rights Monitor assinala que em 14 de outubro, Israel mata 14 palestinianos a cada hora “no seu ataque brutal a Gaza” através de ataques à Faixa de Gaza que equivalem a um “quarto de uma bomba nuclear”.

O bloqueio de água, alimentos e eletricidade à já bloqueada Faixa de Gaza está a colocar Israel sob os olhos de toda a comunidade internacional. Luis Moreno Ocampo, promotor fundador do Tribunal Penal Internacional, assegurou em X que “um bloqueio completo de Gaza poderia ser considerado um crime contra a humanidade e um genocídio” e, portanto, ser motivo de investigação por esse tribunal.

Por enquanto, e após a confusão da semana anterior sobre as ajudas à Palestina, a Comissão Europeia anunciou que triplicará ainda este ano as suas remessas em assistência humanitária. Nesta segunda-feira, abriu uma ponte aérea humanitária para transportar mantimentos essenciais para Gaza através do Egito.

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A autora: A autora: María G. Zornoza é correspondente de Público e de Deutsche Welle em Bruxelas. Licenciada em Jornalismo pela universidade Complutense de Madrid.

 

1 Comment

  1. É necessário que UE esclareça o que é o direito de Israel a defender-se. Até à data, tal tem sido entendido e executado como licença para atacar e reprimir os palestinianos, sem respeito pelo direito internacional e sem sanção correspondente. Por outro lado, há que afirmar o direito dos palestinianos a lutar contra a ocupação militar, a colonização dos seus territórios e o cerco físico das suas comunidades. Sem o que não haverá equidade. Se tal não for possível é melhor que a UE abandone as pretensões de ter uma politica externa comum, extinga o seu serviço diplomático e devolva os seus quadros e representantes aos países de origem.

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